O Retrato
O dicionário que repousa na minha mesa, sempre prestes a elucidar questões vernaculares, define retrato como o ato de retratar; remição ou resgate de bens adquiridos por outrem. Mas não era bem isso que eu buscava, antes dessa definição encontro a que queria: imagem de uma pessoa, real ou imaginária, reproduzida pela pintura, desenho ou escultura. Diz ainda o léxico, que retrato pode ser a obra resultante de uma arte desse tipo: “Velazquez pintou o retrato de Inocêncio X”. Retrato é, por vezes, o mesmo que fotografia de alguém ou de algo, ainda que alguns recusem usar o termo para as fotografias de algo. É sinônimo de sósia, “Ele é o retrato do pai, esculpido em carrara”, e não cuspido e escarrado, o que seria extremamente rude e nojento. E não só isso, é também a descrição física ou de caráter de alguém, “Gramsci deixou escrito o retrato fiel daquilo que eu sou: ‘Pessimista pela razão, optimista pela vontade’. Isso diz tudo”, assim José Saramago usou o termo para definir-se, reiterando o que dele havia dito seu colega de pena.
Retrato tem sua origem no italiano “ritratto” que significa imagem ou figura humana que tem semelhança com uma coisa ou com uma pessoa, que por sua vez tem origem no latim, do verbo “retrahère” cujo particípio passado é “retractus”.
Minha primeira pauta no finado “Valeparaibano” foi fotografar o time do E. C. Taubaté, o Burro da Central. O saudoso Clodomir Bezerra, me pediu que fizesse um boneco de todo o elenco. Aprendi, naquele dia, que boneco é o jargão para retrato em fotojornalismo, uma foto de frente, como um 3x4.
A primeira foto que trouxe uma imagem humana, não era um retrato, era uma paisagem. Num canto dessa foto um engraxate dá polimento à botina de seu cliente, não é possível identificar traços da fisionomia dessas personagens, o que atesta não se tratar de retrato.
O primeiro retrato foi um autorretrato realizado por Robert Cornelius, um jovem guapo que posicionou seu daguerreótipo na calçada, em frente à loja da família, e permaneceu diante da objetiva por 10 ou 15 minutos para se perpetuar num self-portrait.
O pintor holandês Vincent Van Gogh produziu mais de 40 autorretratos, usava esse tema para aprimorar sua técnica e como terapia de autoconhecimento.
A selfie, enquanto tema fotográfico, vaidosamente inaugurado na Filadelfia em 1839, foi cultivado ao longo de toda história e, 182 anos depois de Cornelius, transformou-se em pandemia.
Na era do celular e das mídias sociais, o autorretrato ganhou valor nunca antes alcançado. Aquela selfie cuidadosamente selecionada para o seu perfil acaba sendo mais vista e referenciada do que sua imagem real, não tenha dúvida disso.