Uma Busca pela Paisagem: da Pre-História ao Renascimento

afresco na tumba de Nebamun

Ao lado de Região, Território e Lugar, a Paisagem é conceito-chave na Geografia, largamente utilizada no estudo das relações sociais e naturais. Está presente também na Ecologia, no Urbanismo e nas Artes. Para o geógrafo luizense Aziz Ab’Saber a paisagem é “herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades” (2003). A complexa tecitura de processos geomorfológicos, climáticos, ecológicos e sociais provenientes do constante trabalho de natureza e civilização imprimem marcas visíveis que compõem aquilo que denominamos Paisagem. A Paisagem é o cenário da vida.

A ideia de que a paisagem sempre esteve presente, pode nos levar a acreditar que o termo seja tão antigo quanto os idiomas, em verdade, sua primeira referência é do século IV na China, na Europa o termo surge apenas no século XVI.

A participação da paisagem nas artes é também relativamente recente. Nenhuma representação da pré-história traz indícios do que poderíamos chamar de paisagem. A representação gráfica de animais foi identificada em pinturas rupestres em vários sítios mundo afora, mas não há registro algum que reúna os vários elementos que caracterizam uma paisagem.

Um painel nas ruínas do assentamento de Çatal Hüyükk (Turquia), datado entre 7100 e 5700 aC, tem sido apontado por alguns como a mais antiga representação de uma paisagem; há, porém, quem prefira identificá-lo como uma cartografia. O painel mostra as moradias do assentamento e o vulcão Haçane em erupção.

çatal Huyuk

Painel encontrado no sítio arqueológico de çatal Hüyük, Anatolia, Turquia, 7100-5700 aC.

Tumbas no antigo Egito trazem representações que podem, ligeiramente, lembrar uma paisagem, mas tais pinturas tinham como objetivo inventariar o patrimônio amealhado em vida por aquele que ali repousa. Ainda que tragam alguns elementos presentes na paisagem, falta-lhes a configuração para serem consideradas uma paisagem.

afresco na tumba de Nebamun

“Lago no jardim”, afresco da tumba de Nebamun, Necrópolis de Tebas, 1350-1400 a.C. British Museum.

O professor britânico Simon Schama, em sua obra “Paisagem e Memória” (1996) afirma que “para um romano, uma imagem aprazível era necessariamente, aquela que havia sido formada, que trazia em si a marca civilizadora e frutífera do homem”. Afrescos na Vila Boscoreale (50-30), atingida pela mesma erupção que destruiu Pompeia, atestam essa preferência romana pela paisagem construída.

afresco na vila Boscoreale

Afrescos na Vila Boscoreale, datado de 50-30 aC.

A China cunhou o termo e introduziu pioneiramente a paisagem na pintura. O pintor e filósofo Zong Bing (375- 443) é autor do primeiro registro teórico dedicado à pintura de paisagem. Nesse texto paisagem é escrita como na língua moderna chinesa: shanshui, termo formado pelas palavras montanha (shan) e água (shui). O estilo shanshui é composto por três elementos: a montanha, a água e o caminho.

passeando na primavera

“Passeando na Primavera”, obra de Zhan Ziqian China, 581-618.

Como a chinesa, a arte muçulmana também antecede a ocidental na representação da paisagem. Apesar de ser considerada como uma arte não figurativa, ela traz sim exemplos de paisagens, incluindo a tapeçaria que, com frequência, representam os elementos de um jardim ou de um oásis.

tapete persa

“O poeta Sa’di em conversa com um jovem amigo no jardim”, anônimo,1427.

Na arte bizantina, de caráter estritamente religioso, a paisagem é rarissima. O fundo dourado é frequentemente usado como forma de realçar o valor das figuras santas. Giotto (1267-1337) se afasta dessa tradição, em suas obras o fundo dourado é substituído por paisagens. Em “Fuga para o Egito” pintado na “Capela degli Scrovegni”, em Pádua, a paisagem agreste e montanhosa ajuda a compor um cenário de perigo à fuga da sagrada família.

fuga para o Egito

“Fuga para o Egito”, Giotto, Capela dos Scrovegni, Pádua, Itália, 1303-6.

A Carta do Monte Ventoso

Francesco Petrarca (1304-1374), intelectual e humanista italiano que viveu o final da Idade Média e a emergência do Renascimento, é autor da “Carta do Monte Ventoso”, apontada por historiadores como um texto pioneiro na introdução da paisagem nas artes. Teria sido ele o primeiro a descrever a experiência paisagística no sentido da contemplação desinteressada do alto, do panorama natural aberto ao olhar. Do ponto de vista da história das concepções da natureza, bem como das relações práticas que o homem mantém com o mundo visível, essa sua abordagem trazia o traço da modernidade. “Petrarca teria posto em evidência a postura moderna do olhar direto sobre o mundo, aquela da secularização da curiosidade, voltando, por assim dizer à autópsia da natureza, um olhar até então dirigido aos livros” – (Buckhardt apud BESSE, 2003).

O Renascimento, tema para um texto futuro, propiciou condições para que a paisagem ocupasse lugar de maior destaque na arte ocidental. Paisagem é muito mais que um quadro na parede, ela diz muito sobre a qualidade do ambiente que vivemos e sobre nossa relação afetiva com os lugares.

Mario Lucio Sapucahy
Mário Lúcio Sapucahy é repórter fotográfico e Doutor em Geografia.