Amazônia Minimalista
A fotografia é minha estrada, e como já dizia “Buzlaitiar”, me leva ao infinito e além. Certa feita, me levou ao norte do Mato Grosso, ao fantástico bioma amazônico, um lugar que infinito e além são termos que ganham algum particular sentido. Até Cuiabá chegamos de avião e, por segurança, de Cuiabá a Aripuanã seguimos por via rodoviária, porque nesses trechos, de além, a aviação regional não inspira confiança. Da janela da picape assistimos um filme rural de dois dias de duração que exibia mares de soja, de milho, de girassol, cana e algodão. Ao final do segundo dia a estrada de terra substituiu o asfalto e as florestas se aproximaram. O cinema da janela tornou-se vacilante: ora a floresta exuberante, alta e densa, ora devastada, queimada e convertida em monótono pasto.
Nossa missão era fotografar e filmar um latifúndio que teimava, e teima, em preservar a biodiversidade. As imagens tinham fins publicitários com o objetivo de atrair investimentos de empresas e fundos para o projeto sustentável de exploração de madeira que me contratara. Produzi uma quantidade considerável de vídeos sobre o projeto e sobre a comunidade local. Reservei desse conjunto de imagens algumas que foram incorporadas ao meu portfólio. Dia desses vasculhando meus arquivos em busca de exemplos de fotografia minimalista me dei conta de que as imagens que selecionei dessa aventura amazônica podiam todas ser acomodadas nessa caixa rotulada minimalismo. O estilo minimalista se expressa com o mínimo de elementos fundamentais. Foi interessante observar que, mesmo sem a intenção de seguir um estilo, selecionei apenas imagens que podem ser assim identificadas e produzidas em um ambiente onde a diversidade é traço característico, onde quase tudo se conjuga no plural.
Fotografei um campo de girassol onde um girassol rebelde, bem no centro, insiste em olhar para o poente enquanto todos seus clones estão voltados para o nascente.
Fotografei um campo de milho, pós-colheita, em que a paisagem se concentra na luz subitamente sequestrada pela tempestade amazônica que se anunciava no horizonte.
Registrei ainda um campo de algodão, vasto e monótono. Nessa paisagem, como na precedente, não se vê o fim e nada é desigual.
Nessas três imagens a melancolia é fruto da ação humana sobre a paisagem, A biodiversa Amazônia, uma vez eliminada, dá lugar ao capital, expresso em comodities e monotonia.
Desprezei as cores em duas imagens e as resumi no preto e no branco, o tema se completa em luz, sombra e escuridão. Na primeira um amontoado do restolho da devastação compõe uma tosca escultura final, epílogo do reino de biodiversidade.
Na segunda, com ângulo de visada mais amplo, a paisagem apresenta uma sucessão angustiante de troncos calcinados sobre o campo, testemunha inerte do avanço, ou retrocesso, da pecuária sobre a vegetação nativa. Nessas duas imagens a presença de elementos fundamentais, conjugados no singular, é determinante na composição e, mais uma vez, é a mão desumana sobre a paisagem que desenha o estilo, e não as características do bioma ofendido.
No enquadramento fechado no caule da garapeira o que me seduziu foi a plástica da textura e das tonalidades de seu tronco, nada mais. A beleza seduz o fotógrafo, o valor seduz o madeireiro.
Na composição vertical da castanheira em flor preferi isolá-la de seu entorno, evidenciar sua majestade, acompanhada de tronco fendido, lembrança da ameaça constante.
Já as peças etiquetadas no pátio da madeireira, ainda que provenientes de extração sustentável, não deixa de ter seu impacto visual, me fez recordar carcaças no interior de uma câmara frigorífica, ou pior, uma cena fúnebre no também frio ambiente de um IML metropolitano qualquer.
Nos últimos dois anos revisei com maior frequência meus arquivos, o que me dá saudade do tempo das viagens. Talvez seja cedo, mas estou me preparando para novas aventuras, assim que me sentir seguro retomo os projetos suspensos.
Vivo para viajar e fotografar; viajo e fotografo para viver.